quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Camuflada

"Não existe ingrediente secreto"

Meu cabelo é comum, castanho. Iguais aos cabelos de bilhões de pessoas por aí.
Meus olhos também, castanhos. Possuem a mesma cor que outros bilhões de olhos espalhados por aí.

Não é como se eu fosse especial, ou importante, ou interessante.

Existe por aí infinitas pessoas melhores que eu. E três vezes mais que isso de pessoas iguais a mim.

Eu e o resto vestimos as mesmas roupas, falamos a mesma língua, pensamos as mesma coisas, temos os mesmo sonhos, sofremos as mesmas dores, gargalhamos pelas mesmas piadas.

Todos nascemos e vamos morrer um dia. Igual a todos os outros.

Quando, nessa vidinha camuflada, você olhou para mim?

Por que você reparou em mim?

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

No País dos Espíritos

Por mais que eu andasse, não tinha nada para se ver. Me lembrou um pouco o Bosque Entre Mundos, onde nada acontecia, onde se quase podia ouvir o barulho das árvores crescendo e só. Mais nada.

Não se via nada por ali, só as árvores. Nem pássaros ou esquilos ou formigas.

"Por que esse lugar é tão vazio?"

Foi quando algo aconteceu. Na verdade, Algo apareceu. Não tinha rosto nem forma, tinha somente a voz que disse:

"Só porque você não pode vê-los não significa que eles não existam."

Parando para refletir, eu olhei em volta e vi quantas pessoas tinham ali. Vi suas casas, suas vilas e cidades.

Depois de explorar esse lugar fantástico eu acordei.

Espero voltar para lá qualquer dia.

(se tiver alguém do lado de fora esperando por mim)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Novas Fotos

Fiquei um tempo procurando o papel onde escrevi o endereço que precisava. Achei no fundo daquele bolso da mochila, mas já estava todo amassado.
Deu pra conferir a rua e o número da casa, estava no lugar certo.

Antes de tocar a campainha, lembrei de nossa despedida.
Dois anos se passaram desde então, mas não consegui cumprir a promessa que tinha te feito.

Não consegui esquecer você nem por um segundo.

Toquei a campainha e sua mãe atendeu. Eu sabia que você não morava mais aqui, mas não resisti a esticar o pescoço para te procurar pela casa.

Eu sempre perdia a hora conversando com sua mãe. Você sempre ficava com ciúmes, lembra? Falava que eu não te dava atenção quando ela estava por perto, que eu era sua namorada antes de ser amiguinha dela.

Eu não pude esconder um sorriso nostálgico e sua mãe percebeu. Ela me olhou com aquele olhar triste que damos quando vemos uma grande amiga sofrendo.

Já estávamos terminando nosso café quando a campainha tocou mais uma vez.

Eu realmente não esperava que você fosse aparecer assim, tão de repente.
Eu não esperava te ver.

Foi como tomar um soco no estômago.
Na verdade, foi muito pior que isso.
Não sei se você sentiu o mesmo quando me viu. Pela sua cara parecia.

Sua mãe inventou uma desculpa de ir ao mercado e nos deixou sozinhos.

Eu realmente não sabia o que falar, então arrisquei um "como vai?"

"Indo", você respondeu.

Mais um momento de silêncio. Eu estava prestes a enlouquecer.

"Você sabe que eu precisava ir! Era uma boa oportunidade para a minha vida, para meu emprego!"

"Eu sei disso. Não te culpo de nada."

Você abriu um sorriso.

Eu me senti muito mais aliviada.

"Eu não consegui esquecer você. Eu te disse que precisava parar de gostar de você, mas eu não consegui! Eu ainda... eu te..."

Eu não consegui me segurar, eu precisava te falar isso. Desculpa.

"Desculpa."

Oi? O que você disse?

"Desculpa, mas eu consegui cumprir nossa promessa."

Então eu olhei em volta e reparei em algo que não tinha reparado antes.
Todas aquelas molduras em que eu vivia, todas aquelas fotos espalhadas pela casa, não era mais meu rosto que estava sorrindo. No meu lugar agora tinha uma garota bonita de longos cabelos negros.

É. Você conseguiu cumprir sua promessa.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Portas

Eles abriram suas portas ao mesmo tempo. E encontraram algo que eles não esperavam do outro lado.

Em vez de estar olhando para seu quarto, a porta dela se abria para lateral de um longo corredor. Tão longo que a escuridão escondia sua origem e seu fim.

Bem a sua frente, uma outra porta estava aberta. Ele estava parado ali, provavelmente fazendo a mesma cara de interrogação que ela.

Ele quebrou o silêncio.

"O que você acha?"

Ela olhou para trás. Sua casa estava escura e só se podia ouvir os roncos das pessoas que moravam ali.

Ela voltou a olhar para o corredor, também estava escuro, mas era uma escuridão diferente, opressiva, silenciosa. Ela sentiu um pouco de medo.

"Está muito escuro."

"Eu tenho uma lanterna aqui."

"Então vamos"

Ela atravessou a porta e a estava fechando quando algum estalo em sua mente a fez parar. Não era sensato fechar aquela porta. Olhou para trás e viu que ele tinha deixado a dele entreaberta.

Ele percebeu que ela estava hesitando com a mão presa à maçaneta.

"Para o caso de você querer voltar..."

"Eu não sei se eu quero voltar."

"Mas e se você quiser?"

"Tem razão."

Ela se afastou da porta e sua mão, antes segurando a maçaneta, encontrou a mão dele.

Com a lanterna iluminando alguns metros a frente, eles começaram a andar.